Paris

A diferença cultural entre a educação francesa e a brasileira

Quando eu decidi que iria ficar na França e construir minha família aqui, nunca imaginei que isso afetaria até a forma como eu educo o meu filho. Eu acreditava que eu poderia criar uma bolha protetora, mas, ao longo da gravidez e agora no crescimento do meu filho, eu vejo que isso não é possível e nem saudável.

A gente precisa se introduzir na cultura para não agredir os outros e para não sermos agredidos.

A cultura francesa para a educação dos filhos é bem diferente. Tem gente que diz que as francesas são frias ou até grossas com as crianças.

Pelas conversas que eu tenho com amigas e colegas de trabalho, percebo que não são. Elas têm uma forma diferente da nossa brasileira de ver a relação com os filhos e a maternidade de modo geral. E pode parecer grosseira se compararmos com a nossa que é de abraçar e beijar muito mais.

Agora, se isso está certo ou errado, não podemos jugar, afinal cada sociedade tem uma história e, devido a isso, a sua cultura.

Eu listei a seguir as coisas que eu adorei e adotei na minha vida e coisas que eu não concordo e que, simplesmente, faço do meu jeito e não conto para ninguém para não chocar as francesas.

Amamentação

Dormir a noite toda.

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Bem, uma outra grande diferença é que as francesas conseguem fazer seus filhos dormirem a noite toda logo nos três primeiros meses. Algumas até saem da maternidade com o bebê dormindo a noite toda.

Como isso é possível? Simples, elas deixam as crianças chorarem no berço. Elas não vão correndo ver o bebê no primeiro gemido que ele dá. Como a maioria não amamenta, faz uso do leite industrial que é mais estável e isso garante um estomago cheinho a noite toda.

Isso foi algo que me chocou muito, se você conhece o livro Criança francesa não faz birra, sabe que a autora explica corretamente a técnica, de deixar a criança chorando no berço até que ele pare sozinha de chorar;

Eu tentei fazer com meu filho, mas li um artigo científico explicando que isso acaba com a autoestima da criança porque, nessa fase da vida, os bebês estão com medo e inseguros. Afinal, eles saíram de um útero quentinho, apertadinho, úmido e barulhento para um mundo enorme, silêncio e seco.

Meu filho foi dormir a noite toda quando tinha dois anos e meus colegas de trabalho pegavam no meu pé dizendo que eu estava errada e que eu deveria deixar o meu filho chorando até ele voltar a dormir sozinho. Eles contavam histórias pessoais de terem deixado seus filhos chorarem por 30 minutos quando tinham de 3 a 6 meses. Essas histórias sempre me chocavam, mas nunca dizia nada. Isso está tão enraizado na cultura francesa que discutir não leva a nada. É a mesma coisa que discutir o sexo dos anjos. Então, eu fiz do meu jeito e pronto.

Para eles, isso é normal e importante, os pais precisam de uma boa noite de sono para ter força e energia para trabalhar e cuidar dos filhos. Eu estou de acordo com eles em relação a isso, mas não será sacrificando a autoestima do meu filho que dormirei a noite inteira.

Eu acabei mudando de pediatra porque ela seguia essa linha de trabalho. O novo pediatra do meu filho pensa como nós. Ele diz: “quando você decidiu ter filho, você escolheu ter 4 anos de noites mal dormidas”.

Se ocupar do desenvolvimento da sua criança.

Como a amamentação não faz parte da cultura, apesar de todas as campanhas incentivarem, a licença maternidade é de 16 semanas, sendo que 3 semanas você tem que pegar obrigatoriamente no final da gravidez antes da criança nascer. Logo, sobram 13 semanas para você ficar com seu filho. Então você coloca mais um mês de férias, você consegue ficar 17 semanas com seu filho depois do nascimento.

Eu fiquei 4 meses e consegui amamentar os 4 meses. Quando eu voltei a trabalhar, meu leite secou em duas semanas.

As mulheres ainda podem pedir uma licença não remunerada de 3 anos. Muitas mulheres fazem isso, aí, elas emendam um filho atrás do outro. A maioria das famílias francesas tem 3 filhos. Desse modo, as mulheres ficam de 3 a 9 anos sem trabalhar. Quando elas decidem voltar para o trabalho, os empregos delas estão lá, esperando por elas. 

Eu me arrependo de não ter pegado um ano, pois o primeiro ano é tenso.

Outra vantagem é que as mulheres que têm filhos menores de 6 anos podem pedir a quarta-feira. Isso quer dizer que elas não trabalham nas quartas-feiras. Isso porque, nas quartas-feiras, as escolas e creches não trabalham.

O problema é que nem toda família pode fazer isso. Logo, você precisa encontrar uma babá para trabalhar nas quartas-feiras. Isso vai até a faculdade! Aí, no segundo grau, os alunos têm aula aos sábados para compensar as quartas. Sinceramente, não compreendo essa lógica.

Outra coisa que me chocou muito é que as escolas têm 7 semanas de aula e duas de férias. Uma festa! Só que os pais não têm a mesma quantidade de férias. Mais colônia de férias ou babá para cuidar do seu filho durante as férias. Veja a seguir um exemplo do calendário escolar de 2019/2020.

Começo das aulas: setembro.

Férias: 20 de outubro a 1 de novembro.

Férias: 23 de dezembro a 3 de janeiro.

Férias: 16 de fevereiro a 28 de fevereiro.

Férias: 19 de abril a 1 de maio.

Final do ano letivo: fim de junho.

Para os franceses, as férias são sagradas. Nesse período o chefe não liga para você, você não responde e-mail. Se você fizer isso, é muito malvisto por todos. Férias são férias, dizem os franceses.

O que acho mais interessante em todas essas diferenças culturais é que os franceses gastam esse tempo e o tempo que eles estão em família para brincar com as crianças.

Seja preparando as refeições juntos, pintando, lendo, costurando, jogo educativos. Eles criam recriações educativas e lúdicas para as crianças. Minhas colegas de trabalho me mostram muitos brinquedos e atividades que não tinha ideia que existia.  

Para os franceses, férias são para estar com a família. Eu adoro e admiro muito isso na cultura francesa.

Rotina

Os pais franceses prezam muito pela rotina. As crianças têm horário para acordar, almoçar, lanche da tarde e dormir. Eles acreditam que uma criança precisa de rotina para se desenvolver bem.

Nos parques, eu vejo isso muito fortemente, às 19h o parque está vazio porque às 19h30 é hora do jantar.

Nisso eu concordo com eles. Meu filho é muito mais calmo quando seguimos a rotina. Quando quebramos a rotina, eu sinto o estresse dele.

Eu adotei a rotina de jantar com meu filho. Jantamos todos os dias juntos. Isso é tão forte que chego a dizer ao meu chefe que eu trabalho, no máximo, até às 19h porque eu preciso ir para casa jantar com a minha família. E, acredite, meu chefe e todos respeitam isso porque, na cultura francesa, jantar em família é sagrado e muito importante. Esse é um momento de dividir experiências e construir uma relação.

Agora que meu filho está maior, ele participa do preparo dos jantares cortando legumes, colocando a mesa e nos divertimos muito. Nesses momentos, ele me conta como foi o dia dele e eu como foi o meu. É demais! Esses momentos em que estamos juntos me ajudam a construir uma relação de confiança com ele. Conversamos sem precisar dizer: “filho, senta aqui que a mamãe quer conversar com você”.

Existem muitas outras coisas na educação francesa que são diferentes da do Brasil, mas essas foram as que eu achei mais interessantes. Algumas eu aceitei rapidamente, outras eu copie e outras eu simplesmente respeito porque está muito longe de eu conseguir entender.

O mais importante é conseguir educar meu filho de uma forma que ele consiga se adaptar à cultura francesa sem perder a de sua origem, a brasileira, e isso nem sempre é fácil.

Se estou tendo sucesso nessa tarefa, só saberei quando ele for adulto, afinal educar é um aprendizado constante.

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